MEDIAÇÃO COM JOVENS INFRACTORES
O sistema jurídico português prevê expressamente a figura da mediação na Lei Tutelar Educativa (Lei 166/99, de 14 de Setembro), diploma resultante da profunda reforma operada no direito de menores – reorientado numa perspectiva responsabilizadora, pedagógica e reparadora em detrimento da óptica proteccionista, anteriormente vigente - e que se aplica nos casos em que um jovem com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos pratica um facto qualificado pela lei penal como crime (podendo a execução das medidas alargar-se até aos 21 anos).
A mediação no âmbito da Lei Tutelar Educativa apresenta-se claramente centrada no jovem infractor, uma vez que se desenvolve no âmbito de uma intervenção – a intervenção tutelar – cuja finalidade é, nas próprias palavras da exposição de motivos daquela Lei, a educação do menor para o direito e não a retribuição pelo crime.
O processo tutelar está estruturado em duas fases:
» a fase de inquérito, presidida pelo Ministério Público, visa apurar a existência do facto, a prova da sua prática pelo menor e a necessidade de aplicação a este de uma medida tutelar; esta fase termina com a suspensão – mecanismo de diversão introduzido pela nova lei -, arquivamento ou com o requerimento de abertura da fase jurisdicional;
» a fase jurisdicional, presidida pelo juiz, compreende a comprovação judicial dos factos, a avaliação da necessidade de aplicação de medida tutelar e a determinação e execução da medida tutelar.
De entre as medidas tutelares previstas, refira-se as que visam directamente finalidades de reparação:
» reparação ao ofendido (apresentação de desculpas, compensação económica, exercício em benefício do ofendido de actividade que se conexione com o dano);
» prestações económicas (entrega de determinada quantia em benefício de entidade, pública ou privada, de fim não lucrativo);
» tarefas a favor da comunidade (exercício de actividade em benefício de entidade, pública ou privada, de fim não lucrativo).
O recurso à mediação depende de determinação da autoridade judiciária – procurador ou juiz -, ainda que a iniciativa possa ter partido do menor, seus pais ou representante legal.
Se a autoridade judiciária é, assim, a gatekeeper da mediação, a entidade responsável pela implementação desta prática é a Direcção Geral de Reinserção Social (DGRS), do Ministério da Justiça: enquanto órgão auxiliar da administração da justiça que tem como objectivos a reintegração social de delinquentes e o apoio à jurisdição de menores, e reconhecendo as potencialidades da utilização da mediação no contexto das finalidades propugnadas pela LTE e o facto de esta ser um meio de resolução de conflitos originados pela prática de facto ilícito que melhor materializa o Principio da Intervenção Mínima - um dos princípios orientadores da intervenção tutelar educativa – a DGRS decidiu, na ausência de outras entidades públicas ou privadas de mediação, criar em 2002 o Programa de Implementação da Mediação em Processo Tutelar Educativo: programa de acção, a nível nacional, destinado a criar e a fomentar melhores condições técnicas e logísticas para a execução de decisões das autoridades judiciárias que determinem processos de mediação.
Na Fase de Inquérito, presidida pelo Ministério Público, o Programa de Mediação e Reparação disponibiliza as seguintes intervenções:
» mediação entre infractor e vítima com vista à conciliação e/ou reparação, sempre que o Ministério Público o determine e encaminhe o caso para os serviços de mediação. O acordo resultante é depois enviado para aquela autoridade judiciária que, caso o aprove, promoverá a sua execução e o subsequente arquivamento do processo;
» apoio na elaboração do plano de conduta – verificadas as condições legalmente previstas e sempre que haja uma vítima concreta e o menor reúna os requisitos básicos de acesso, o programa dá prioridade ao recurso à mediação, sendo os compromissos aí assumidos vertidos para um plano de conduta, que é enviado para o tribunal que, com base neste, poderá decidir-se pela suspensão do processo.
Em ambas as intervenções descritas, o acesso ao processo de mediação depende da verificação de que quer o menor quer a vítima reúnem os requisitos básicos. Esta verificação é efectuada através de entrevistas individuais, nas quais são aferidos os seguintes aspectos:
Relativamente ao menor:
» reconhecimento por parte do menor da sua responsabilidade e/ou participação nos factos imputados e nos danos por eles provocados;
» capacidade e vontade em conciliar-se e/ou em encontrar soluções reparadoras do dano provocado;
» vontade de participar no processo de mediação com vista a solucionar o conflito e a cumprir os compromissos assumidos.
Relativamente à vitima:
» avaliação dos danos e do grau de vitimação;
» capacidade e interesse em conciliar-se e em ser reparado;
» vontade de participar num processo de mediação.
Tal como preconizado na Recomendação Nº R (99) 19 do Conselho da Europa, tem-se ainda em conta na avaliação das partes as diferenças relacionadas com factores como a idade, maturidade ou capacidade intelectual, enquanto factores essenciais para um cabal entendimento do sentido deste processo.
Se o menor revela vontade em conciliar-se e/ou executar uma acção reparadora mas não é possível a realização da mediação ou não se obtém acordo, essa predisposição não é ignorada, sendo aquele incentivado e apoiado pelo programa a procurar outras soluções, como sejam a reparação à comunidade, por exemplo sob a forma de prestação de tarefas, ou a prossecução de objectivos de formação pessoal ou escolar.
Por último, o Ministério Público pode determinar a cooperação da Direcção Geral de Reinserção Social para apoiar o menor na concretização de compromissos assumidos no acordo de mediação ou no plano de conduta (que, relembre-se, poderá conter obrigações definidas no âmbito de um processo de mediação). No final da sua execução é avaliada a atitude e o grau de cumprimento dos compromissos assumidos pelo menor, avaliação essa que inclui uma análise acerca de todo o processo efectuada pelo próprio menor e pelos destinatários da(s) prestação(ões). Com base nesta informação é elaborado um relatório para o Ministério Público.
Nos casos em que o menor não cumpre os compromissos assumidos, o técnico informa o Ministério Público, podendo este dar continuidade à tramitação do processo.
Na fase jurisdicional, a intervenção dos serviços de mediação visa a obtenção de um consenso relativamente à medida tutelar educativa não institucional a aplicar ou às condições de execução desta. O recurso à mediação nesta fase do processo tem tido expressão diminuta.
Para mais informações: agência governamental para a reinserção social encarregada da mediação com jovens infractores: Direcção-Geral da Reinserção Social (Ministério da Justiça).
MEDIAÇÃO COM ADULTOS INFRACTORES
Em 2005, o Ministério da Justiça deu início à preparação de um diploma legal tendente a introduzir a mediação vítima-infractor no ordenamento jurídico português. A proposta foi submetida a debate público, tendo sido aprovada pela Assembleia da República em 12 de Abril de 2007 e entrado em vigor em 12 de Julho do mesmo ano - Lei nº21/2007, que cria um regime de mediação penal.
Esta lei veio dar cumprimento ao artigo 10º da Decisão-Quadro do Conselho da União Europeia relativo ao Estatuto da Vítima em Processo Penal, que obriga os Estados-Membros a implementar mecanismos de mediação nos seus ordenamentos jurídicos. Complementarmente foram aprovadas três Portarias (ns.º 68-A/2008, 68-B/2008 e 68-C/2008, todas de 22.1) e um Despacho (n.º 2168-A/2008, também de 22.1) que regulamentam aspectos específicos deste programa.
Os traços fundamentais do regime legal de mediação são os seguintes:
» podem ser encaminhados para mediação processos por crimes contra as pessoas e por crimes contra o património, semipúblicos e particulares, puníveis com pena de prisão igual ou inferior a 5 anos de prisão ou com pena de multa, com excepção dos casos em que a vítima é menor de 16 anos, quando o arguido é uma pessoa colectiva ou quando se trata de crimes contra a liberdade ou a autodeterminação sexual;
» caso tenham sido recolhidos indícios de se ter verificado crime e de que o arguido foi o seu agente, pode o Ministério Público em qualquer momento da fase de inquérito, se entender que desse modo se pode responder adequadamente às exigências de prevenção, remeter o processo para mediação, disso dando conhecimento à vítima e ao arguido;
» a mediação pode também ser requerida pela vítima ou pelo infractor;
» não resultando da mediação acordo ou se o processo de mediação não estiver concluído no prazo de 3 meses (prorrogável por mais 2 meses por solicitação do mediador, em caso de forte probabilidade de acordo), o mediador informa disso o Ministério Público, prosseguindo o processo penal;
» a assinatura de acordo equivale a desistência de queixa por parte da vítima e à não oposição por parte do arguido, podendo aquela, caso o acordo não seja cumprido no prazo fixado, renovar a queixa no prazo de um mês, sendo reaberto o inquérito;
» o acordo não pode incluir deveres cujo cumprimento se deva prolongar por mais de 6 meses;
» nas sessões de mediação, os intervenientes devem comparecer pessoalmente, podendo fazer-se acompanhar de advogado;
» o teor das sessões de mediação é confidencial, não podendo ser valorado como prova em processo penal;
» pelo processo de mediação não há lugar ao pagamento de custas;
» pode candidatar-se às listas de mediadores penais quem tiver mais de 25 anos, tiver licenciatura ou experiência profissional adequadas e estiver habilitado com um curso de mediador penal reconhecido pelo Ministério da Justiça;
» os serviços de mediação funcionarão junto de alguns dos julgados de paz, aproveitando a logística e a organização destes.
A proposta de lei opta por não regulamentar excessivamente os aspectos internos da condução da mediação, deixando-os às regras próprias da profissão de mediador, deontologia profissional e manuais de “boas práticas”
Para mais informações - agência governamental encarregada do sistema de mediação penal: GRAL – Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios (Ministério da Justiça).